Dependência química: aspectos básicos relacionados ao tratamento

por Tauama de Moraes
CRP 11 - 07100

    Para melhor entendermos a questão da dependência química, faz-se necessário esclarecimentos alguns conceitos importantes, tais como: uso e abuso de drogas.

Diferenças entre uso e abuso de drogas

Antes de falarmos sobre a dependência química, vamos compreender primeiro qual a diferença entre o uso e o abuso. 

    Charbonneau (1998) diz que existe uma distinção entre os termos uso e abuso, embora essa distinção não apresente limites claros e definidos.

Para o autor, o uso e abuso de drogas é um processo gradual, um contínuo do hábito, existindo primeiro um deslizar imperceptível e inconsciente do uso e abuso. Infelizmente o cotidiano nos mostra que, do uso ao abuso não há, mais que um passo, que é logo dado.

    Para Laranjeira e Surjan (2001), podemos chamar de uso qualquer consumo de substâncias, independentemente da frequência ou da intensidade ( incluindo-se aqui uso esporádico ou episódico) e de abuso ou uso nocivo, um consumo associado a consequências adversas recorrentes e significativas, porém que não preencha os critérios para a dependência.

Problemas com o uso de drogas

    Dependendo do padrão de consumo, se uso ou abuso, este poderá ou não trazer sérios problemas para o indivíduo. A Organização Mundial de Saúde,  define o uso nocivo como um padrão de uso de substâncias psicoativas que está causando danos à saúde, podendo ser este de natureza física ou mental. 

Substâncias com potencial de abuso são aquelas que podem desencadear no indivíduo a autoadministração repetida , que geralmente resulta em tolerância, abstinência e comportamento compulsivo e com a presença de sintomas de abstinência (alucinações, delírios, dellirium tremens, taquicardia, sudorese, etc.) e cuja intensidade é capaz de ocasionar problemas sociais, físico e/ou psicológicos, fala-se em dependência. ( LARANJEIRA et all, 2002)

A dependência química 

     Para Laranjeira, a dependência é uma relação disfuncional entre os indivíduos e seu modo de consumir uma determinada substância psicotrópicas. 

É, também, uma síndrome médica bem definida internacionalmente, cujo diagnóstico é realizado pela presença de uma variedade de sintomas que indicam que o indivíduo consumidor apresenta uma série de prejuízos e comprometimentos devido ao seu consumo.

    É considerada doença crônica, tal qual a hipertensão arterial e o diabetes, e, como tal acompanha o indivíduo por toda sua vida. Como toda doença crônica, o tratamento é voltado para a redução dos sintomas, que afetam não apenas o paciente, mas toda comunidade ao seu redor. 

Recaídas 

Períodos de controle da enfermidade são observados no tratamento, mas uma das características fundamentais é o retorno de toda a sintomatologia (recrudescências ou recaídas) em alguns períodos da vida do indivíduo. (LEITE,et al,1999).

    O programa de prevenção de recaída é um tratamento cognitivo-comportamental, cujo objetivo é manter uma mudança de comportamento desejada e ensinar o dependente químico a prever e a lidar com o problema de recaída. Porém, existe uma certa dificuldade, principalmente entre os familiares de dependentes, quando à distinção entre os termos recaída e lapso.

O que é recaída?

    O termo recaída pode ser definido como sendo uma falha na tentativa de mudança de um comportamento-alvo. No caso da dependência das drogas, a recaída, então pode ser definida como um processo de retorno ao uso das drogas por uma pessoa que permaneceu abstinente por um período de tempo, tendo realizado nesse período serias tentativas de mudanças comportamental no sentido da recuperação. 

O que isso quer dizer?

    Isso significa que, para dizermos que um determinado paciente recaiu, ele, além de ter retornado ao uso de drogas após um período de abstinência ( curto ou longo), deve ter iniciado uma mudança no seu estilo no seu estilo de vida, como não encontrar mais amigos usuários, não frequentar os mesmo bares onde costumava consumir drogas, etc.

Logo, podemos dizer que o que determina se ocorreu ou não uma recaída, além de um período de abstinência, é se o uso de droga foi ou não precedido por uma tentativa de mudança comportamental e não um tempo maior de abstinência. ( LEITE et al,1999,p.256)

    Já o lapso pode ser definido como a primeira violação nas regras para a manutenção da abstinência. Podemos dizer que o lapso pode ser o primeiro passo para uma recaída, mas nem sempre o é, pois muitas vezes as mudanças comportamentais ocorrem antes do real uso de drogas.

Etapas da toxicodependência

    De uma forma geral, no percurso dos toxicodependentes, podemos distinguir três etapas, associados à participação maior ou menor desses dois mecanismos.

Queremos referir, no entanto, que a existência das três etapas não aplica uma obrigatoriedade de se passar de uma fase para outra , existem muitos que fazem a transição entre várias fases, porém importa referir também que a maioria dos consumidores de drogas não passam da primeira fase.

Existem fatores de risco e protetores, associados ao indivíduo e ao contexto em que ele se encontra integrado, que facilitam, dificultam ou inibem a passagem para diversas fases.

Fase 1

    A primeira fase é vulgarmente designada por lua de mel, e é caracterizada pela percepção dos efeitos positivos das drogas e pela ausência quase total de efeitos  negativos.

Nessa fase funciona fundamentalmente o mecanismo de reforço positivo, os consumos são ocasionais ou pouco regulares o que justifica a ausência de efeitos negativos ou, se presentes, não serem muito significativo.

A imensa maioria dos consumidores de drogas nessa fase, que apesar da existência do reforço positivo, na maioria dos casos não se verifica qualquer dependência, nem psicológica e nem física, e nada prova que evoluam necessariamente para outras fases, isto é especialmente verdade no caso dos produtos da cannabis.

Fase 2

    A segunda fase pode já estar associada à dependência psicológica, se bem que os mecanismos de reforço positivos sejam predominantes, e quase que exclusivo  no caso da dependência psicológica a cannabis; nas outras drogas como o álcool e a heroína, começa já a ser importante o mecanismo de reforço  negativo, os consumos, além de proporcionar algum prazer, começar a ser também uma necessidade para mitigar o sofrimento, tornando-se cada vez mais regular e imperioso o uso das substancias para contrariar os seus efeitos negativos.

Fase 3

   Na terceira fase, fundamentalmente associada a dependência química. Os mecanismos de reforço positivo são quase anulados, existindo uma predominância quase total dos mecanismos de reforço negativo.

A transição para essa fase é muito reduzida ou mesmo inexistente no caso dos consumidores de cannabis, mas muito frequente nos heroinômanos, cocainômanos e nos alcoolistas, por via da severidade dos sintomas de abstinência que essas substâncias produzem.

Nessa fase, os consumidores atingem uma visibilidade social muito grande pelo seu aspecto e comportamento assumidos, observados especialmente em alguns cocainômanos (crack) que, pelo seu recurso à criminalidade aquisitiva busca essencialmente o restabelecimento da sua normalidade. A angústia provocada pela abstinência exige ser mitigada de imediato. 

Como determinar a toxicodependência

    A toxicodependência e os critérios para a sua determinação, segundo o Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Americana de Psiquiatria: DSM-IV, consistem num padrão desadaptativo da utilização  de substâncias que conduz a um déficit funcional ou sofrimento significativo, diagnosticado pela verificação de, pelo menos, três das seguintes situações, em qualquer momento de um mesmo período de três meses: 

  1. Tolerância, definida por qualquer de uma das seguintes situações: necessidade de quantidades crescente  da substância que atinge o efeito desejado; a verificação de uma diminuição acentuada do efeito provocado com a utilização continuada da mesma dose de substância.
  2. Síndrome da abstinência, definida por qualquer das seguintes situações: apresentação de sintomas característicos da abstinência da substância em causa; a substância em causa, ou outra similar, é consumida para aliviar ou evitar os sintomas da abstinência (reforço negativo).
  3. O uso da substância é frequentemente efetuado em quantidades e padrões de consumo não pretendidos, assim o prolongamento do consumo é para além do período de tempo pretendido.
  4. A existência de esforços e vontade para interromper, diminuir ou controlar o uso da substância, sem que se consigam esses propósitos. 
  5. As atividades ligadas à obtenção das substâncias, assim como o seu consumo e recuperação dos efeitos, representam uma grande fatia de tempo disponível na vida do consumidor.
  6. Se devido ao consumo da substância em causa tiveram sido abandonadas importantes atividades sociais lúdicas.
  7. A continuação do consumo da substância, mesmo que esse consumo provavelmente provoque ou aumente um problema de saúde, física ou psicológica, persistente ou recorrente. 

Esses critérios diagnosticados de dependência possuem níveis de gravidade distintos para cada caso. O ideal é que primeiro se identifique a presença desses critérios no padrão de consumo de um indivíduo e, em segundo que se determina a sua gravidade. Após essa análise, poderá se estabelecer um plano de tratamento, o qual terá seu início com a abordagem do dependente. 

Autora

Maria de Fátima Vale Barroso ( Medica psiquiatra)

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